Casal do Paraná realizará sonho de ter filha biológica com barriga solidária de prima; saiba como funciona a 'gestação por substituição'

13/06/2025

Embrião formado por óvulo de Daiane e espermatozoide de Marcos foi transferido para o útero de Adrieli, prima do casal que se ofereceu para gestar bebê. Técnica é permitida no Brasil, desde que siga normas do Conselho Federal de Medicina.

Um casal de Ivaí, nos Campos Gerais do Paraná, vai realizar o sonho de ter uma filha biológica utilizando a barriga solidária da prima deles, que se ofereceu para gestar o bebê. Daiane Cristina Pereira Chociai, de 41 anos, e Marcos Chociai, de 45, estão juntos há 24 anos e sempre sonharam em ter filhos, mas a mulher nasceu com uma síndrome rara que a impede de gestar.

Adrieli Almeida Blum, que tem 34 anos e é casada com o primo de Daiane, acompanha a história dos dois desde que eles se casaram e ofereceu o próprio útero para a gestação. A técnica, conhecida juridicamente como "gestação por substituição", é permitida no Brasil, desde que siga regras estabelecidas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). Veja detalhes abaixo.

"A gente fala que a Adrieli é o anjo da guarda nosso e da nossa filha. [...] Partiu dela essa iniciativa e a gente agradece do fundo do coração, porque era pra ser ela mesmo. [...] Ela vai ser a madrinha da Maria Caroline", afirma Daiane.

Nesta sexta-feira (13), a gestação completa 14 semanas. A previsão é que o parto de Maria Caroline aconteça em dezembro, mas os planos por trás desta história iniciaram anos atrás.

Quando Daiane tinha 15 anos, os pais dela a levaram ao médico devido à ausência de menstruação. A adolescente foi diagnosticada com a síndrome de Rokitansky, que provocou má formação no útero dela.

Aos 17 anos, quando conheceu e começou a namorar com Marcos, ela contou ao futuro marido que nunca poderia gerar um filho – mas sempre nutriu a vontade de ser mãe, e ele, de ser pai.

O casal juntou dinheiro e, em 2018, fez as primeiras tentativas. À época, a irmã de Marcos se ofereceu para ser barriga solidária para eles, mas nenhuma das duas fertilizações feitas nela deram certo.

"A gente agradece muito ela também, porque ela também foi um anjo na nossa vida. A gente implantou duas vezes, e a primeira vez não chegou nem a evoluir. A segunda vez evoluiu até um mês pouquinho, mas daí ela teve que fazer uma curetagem [raspagem no útero]. Então pra ela passar de novo por esse processo, seria doloroso pra ela e pra gente. Então pensamos: 'Vamos dar um tempo e não vamos mais fazer isso'", contam Daiane e Marcos.

A família de Daiane é composta por cerca de 50 pessoas e costuma se reunir todo domingo, na chácara da avó. A prima, Adrieli, conta que sempre teve vontade de ajudar o casal, mas esperava os próprios filhos crescerem para facilitar o entendimento das crianças de que o bebê que estaria na barriga da mãe não seria irmão deles, mas, sim, primo.

"Eu conheci de perto a dor deles. E eu dizia que ia chegar a hora, só que é tudo no tempo certo. Eu não me sentia preparada, eu tenho três filhos, e eles estavam pequenininhos ainda, a gente sabia que eles não iam conseguir entender, então foi um tempo de conversa e preparação. [...] Como eu estou gerando a bebê agora, foi gerando aquilo no meu coração primeiro", relata Adrieli.

🤰🏻Autorização levou meses para ser concedida, e família passou por preparação psicológica

À esquerda, o casal Fabrício e Adrieli, e à direita, o casal Daiane e Marcos — Foto: Arquivo pessoal
À esquerda, o casal Fabrício e Adrieli, e à direita, o casal Daiane e Marcos — Foto: Arquivo pessoal

A decisão de Adrieli de ceder o próprio útero ao casal foi tomada em comum acordo com o marido dela. Por elas não serem primas consanguíneas, a reprodução assistida precisou da autorização do Conselho Regional de Medicina (CRM-PR), que liberou o procedimento no início de 2025 – foram mais de seis meses de tramitação.

Nesse meio tempo, as duas famílias fizeram acompanhamento psicológico e se preparam para a novidade – tanto Daiane e Marcos, quanto Adrieli, o marido dela, Fabrício, e os três filhos do casal.

Como não sabiam quando sairia a autorização do CRM, Daiane e Marcos adiantaram a coleta de óvulos e espermatozoides. Eles levaram em consideração, também, a idade. Como tinham mais de 40 anos, optaram por coletar o quanto antes porque isso aumentaria as chances de uma possível fecundação dar certo.

Daiane também teve que ser submetida à aplicação de injeções, que visavam aumentar a fertilidade.

Os processos deram certo, os embriões ficaram na clínica, no aguardo do aceite do CRM, e quando a resposta positiva do conselho chegou, foi feita a transferência embrionária para o útero de Adrieli – e a mulher, então, engravidou da filha biológica dos primos.

🫂Família unida e aumentando

Adrieli, que está gestando a filha de Daiane, será madrinha do bebê — Foto: Arquivo pessoal
Adrieli, que está gestando a filha de Daiane, será madrinha do bebê — Foto: Arquivo pessoal

A família, que já era unida, passou a ter uma conexão ainda maior após a gravidez por barriga solidária.

Daiane e Marcos acompanham Adrieli em todos os exames e já viram a filha pelo ultrassom. Todos os dias a gestante manda atualizações para o casal, contando como está se sentindo, do que está se alimentando, além de outros detalhes da rotina.

"A gente sente que a Maria Caroline está no lugar abençoado que devia estar. Eu sei que o carinho que Adrieli está tendo por ela, por gerar ela, é a mesma forma como se ela estivesse dentro de mim. E eu sinto isso", conta Daiane.

Em maio, eles fizeram um "chá revelação" para descobrir e contar para a família se o bebê seria uma menina ou um menino. Daiane fez vídeos sobre o evento e contou a história da gestação, o que chamou a atenção nas redes sociais – juntos, os vídeos somam mais de 4 milhões de visualizações.

Depois da publicação, Daiane conta que passou a receber mensagens de mulheres de diversas regiões do país, contando histórias semelhantes e pedindo dicas e informações. Agora ela quer deixar a própria trajetória registrada para, no futuro, mostrar à filha como ela foi sonhada, esperada, e amada.

O pai concorda e destaca que vai ser grato para sempre pelo gesto da prima.

"Hoje em dia esse gesto de amor ao próximo e carinho pelos outros é difícil de acontecer. [...] Estamos ansiosos pra receber a Maria Caroline! Eu acho que ele vai trazer muita união para a família. Nós já somos muito unidos, e vamos ser cada vez mais", ressalta Marcos.

⚖️Reconhecimento jurídico da paternidade na barriga solidária

Atualmente não há, no Brasil, legislação sobre a barriga solidária, que juridicamente é conhecida como "gestação por substituição".

Por isso, as decisões a respeito do procedimento têm como norte a Resolução nº 2.320/2022 do Conselho Federal de Medicina (CFM), que cita normas éticas para a utilização de técnicas de reprodução assistida.

Letícia Orreda Menon, advogada especialista em Processo Civil e Direito de Família, cita que os debates jurídicos sobre o assunto também são respaldados por entendimentos jurisprudenciais dos tribunais – o que, para ela, gera insegurança jurídica, considerando que novos entendimentos podem vir a surgir diante de casos similares.

No entanto, a advogada ressalta que o entendimento geral é que se todos os requisitos dispostos na resolução do CFM forem cumpridos, o bebê, ao nascer, é registrado diretamente em nome dos pais biológicos, sem a necessidade de qualquer ação judicial para isso.

"A gestação por substituição no Brasil é uma prática ética e legal, desde que seja feita com responsabilidade, respeito mútuo e cumprimento rigoroso das normas médicas pré-estabelecidas, para que o bebê gerado seja considerado filho legítimo dos pais que doaram o material genético. No caso em questão, a prima que ajudou a realizar esse sonho se trata de uma protagonista solidária, mas sem nenhum vínculo jurídico de maternidade", exemplifica.

A especialista reforça que, ao assumir voluntariamente a gestação por solidariedade e não ter vínculo genético com a criança, a mulher que gesta o feto não pode reivindicar o bebê após o parto, mesmo que mude de ideia.

"Qualquer tentativa nesse sentido seria considerada inválida judicialmente, pois o que prevalece é o projeto parental original e o direito da criança à estabilidade familiar. [...] Esse entendimento tem sido acolhido também pela jurisprudência, que entende que o contrato entre os pais sociais e a gestante tem eficácia jurídica, desde que fundado em princípios constitucionais como dignidade da pessoa humana e o melhor interesse da criança", complementa.

📃Regras médicas para barriga solidária

A Resolução nº 2.320/2022 do Conselho Federal de Medicina (CFM) determina as normas éticas que devem ser adotadas para a utilização de técnicas de reprodução assistida, que inclui a gravidez de substituição e outros procedimentos, como a preservação e doação de gametas ou embriões, por exemplo.

Para todas as técnicas, a idade máxima das candidatas à gestação é de 50 anos, salvo exceções com base em critérios técnicos e científicos. Todos os envolvidos também devem, obrigatoriamente, oficializar o consentimento em documento.

Especificamente em relação à gestação de substituição, técnica também chamada de cessão temporária de útero, ela é permitida desde que exista uma condição que impeça ou contraindique a gestação pela parte interessada.

As regras dispostas na resolução são:

  • a cedente temporária do útero deve ter ao menos um filho vivo;
  • a cedente temporária do útero deve pertencer à família de um dos parceiros, em parentesco consanguíneo, até o quarto grau. Caso contrário, deve ser solicitada autorização do Conselho Regional de Medicina (CRM);
  • a cessão temporária do útero não pode ter caráter lucrativo ou comercial e a clínica de reprodução não pode intermediar a escolha da cedente.

Também é necessário que as clínicas reúnam, no prontuário da paciente, uma série de documentos.

Entre eles, estão:

  • termo de consentimento assinado pelos pacientes e pela cedente temporária do útero;
  • relatório médico atestando a saúde física e mental de todos os envolvidos;
  • termo de compromisso que estabeleça a filiação da criança no registro civil;
  • aprovação, por escrito, do(a) cônjuge ou companheiro(a) da cedente temporária do útero que for casada ou viver em união estável.