O que se sabe e o que falta saber sobre esquema que levou dono da Ultrafarma à prisão em SP

Dono da Ultrafarma e diretor da Fast Shop foram presos em operação do Ministério Público de SP; dois auditores fiscais tributários da Secretaria de Estado da Fazenda também foram detidos. Operação mirou um esquema de corrupção de mais de R$ 1 bilhão.
O dono e fundador da Ultrafarma, Sidney Oliveira, foi preso temporariamente nesta terça-feira (12), em São Paulo, durante uma operação do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) que desarticulou um esquema de corrupção envolvendo auditores fiscais da Secretaria da Fazenda e grandes empresas varejistas.
Segundo as investigações, o esquema movimentou mais de R$ 1 bilhão em propinas para facilitar o ressarcimento irregular de créditos tributários. Além de Sidney, outras cinco pessoas foram presas, incluindo auditores fiscais e executivos.
A imprensa reuniu as principais informações sobre o caso. Confira abaixo as perguntas que ajudam a entender o que se sabe e o que ainda falta esclarecer:
- Como funcionava o esquema?
- Quem são os alvos da investigação?
- Como o esquema foi descoberto?
- Quais são as acusações contra os investigados?
- O que foi apreendido na operação?
- O que dizem os envolvidos?
- Qual a posição da Secretaria da Fazenda?
- Quem é Kimio Mizukami da Silva, e qual seu papel no esquema investigado?
- O que ainda falta saber?

1. Como funcionava o esquema?
O esquema, investigado pela chamada Operação Ícaro, tinha como "cérebro" o auditor fiscal estadual Artur Gomes da Silva Neto, que atuava facilitando e fraudando o processo de ressarcimento de créditos tributários — especificamente o ICMS — para grandes empresas como Ultrafarma e Fast Shop.
O ressarcimento de crédito tributário é um direito do contribuinte que pagou a mais, mas o procedimento para recebê-lo é burocrático e complexo.
Segundo o MP, Artur coletava a documentação necessária, acelerava a aprovação dos pedidos para esse ressarcimento, e garantia que eles não fossem revisados internamente. Em alguns casos, os valores liberados eram maiores que os devidos, e o prazo para pagamento, reduzido.
Em troca, ele recebia propinas milionárias, que ultrapassam R$ 1 bilhão desde 2021, pagas por meio de empresas intermediárias, incluindo uma empresa fantasma registrada em nome da mãe do auditor.
2. Quem são os alvos da investigação?
Seis pessoas foram presas e são investigadas:
- Sidney Oliveira: dono e fundador da Ultrafarma;
- Artur Gomes da Silva Neto: auditor fiscal estadual e principal articulador do esquema;
- Marcelo de Almeida Gouveia: auditor fiscal;
- Mário Otávio Gomes: diretor estatutário da Fast Shop;
- Celso Éder Gonzaga de Araújo: dono da casa em que foram apreendidas esmeraldas e dinheiro;
- Tatiane da Conceição Lopes: esposa de Celso.
Além dos mandados de prisão, os agentes cumpriram 19 mandados de busca e apreensão em endereços residenciais dos alvos, nas sedes das empresas investigadas (Ultrafarma, Fast Shop e Smart Tax Consultoria) e também em outros locais ligados a executivos, funcionários, auditores fiscais e ex-funcionários da Receita Estadual.
3. Como o esquema foi descoberto?

A investigação se iniciou após o Ministério Público notar uma evolução patrimonial "absolutamente incompatível" da empresa Smart Tax, registrada em nome da mãe do auditor Artur, Kimio Mizukami da Silva, uma professora aposentada de 73 anos.
De acordo com o MP, a Smart Tax é uma empresa fantasma, sem atividade operacional ou clientes, com sede em Ribeirão Pires (Grande São Paulo), que passou a receber pagamentos da Fast Shop a partir do segundo semestre de 2021.
Essa movimentação financeira suspeita levou à análise detalhada de documentos, interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça, quebras de sigilo e outras diligências que confirmaram o esquema de propinas para favorecimento fiscal.
4. Quais são as acusações contra os investigados?
Os investigados poderão responder pelos crimes de:
- Corrupção ativa e passiva, por pagamento e recebimento de propinas;
- Organização criminosa, pela articulação e funcionamento do esquema;
- Lavagem de dinheiro, pela forma como os valores eram ocultados e movimentados.
O MP aponta que o auditor Artur prestava uma espécie de "assessoria tributária criminosa", indicando quais documentos as empresas deveriam apresentar para acelerar o processo de ressarcimento, e que ele próprio aprovava os pedidos com o certificado digital das empresas.
Além disso, a Justiça já determinou o afastamento imediato dos auditores Artur e Marcelo das funções públicas, por suspeita de uso do cargo para prática criminosa.
5. O que foi apreendido na operação?
Durante a operação foram cumpridos 19 mandados de busca e apreensão em imóveis residenciais, sedes de empresas e outros locais ligados aos investigados. Foram apreendidos:
- Valores em espécie: R$ 330 mil, US$ 10 mil e 600 euros em dinheiro vivo;
- Dois pacotes com esmeraldas, além de joias;
- Computadores, celulares e documentos digitais para perícia;
- Máquina de contar dinheiro.
Esses itens reforçam a suspeita de movimentação ilegal de valores e ocultação de patrimônio.


6. O que dizem os envolvidos?
Sidney Oliveira, dono da Ultrafarma, informou que celebrou há alguns meses um Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) com o Ministério Público, no qual reconheceu irregularidades tributárias, e foi homologado pela Justiça. Os valores devidos foram parcelados e estão sendo pagos. Sobre a prisão, seu advogado afirmou que ainda está analisando os motivos que levaram à decisão judicial.
A Fast Shop afirmou que ainda não teve acesso ao conteúdo da investigação, mas que está colaborando com as autoridades para esclarecer os fatos.
7. Qual a posição da Secretaria da Fazenda?
A Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo (Sefaz-SP) divulgou nota informando que instaurou processo administrativo para apurar a conduta do servidor envolvido.
O órgão reafirmou seu compromisso com a ética e justiça fiscal, informou que está colaborando com o Ministério Público por meio da Corregedoria da Fiscalização Tributária e ressaltou que promove ampla revisão de processos e protocolos para evitar práticas ilícitas. Veja nota completa abaixo:
"A Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo (Sefaz-SP) está à disposição das autoridades e colaborará com os desdobramentos da investigação do Ministério Público por meio da sua Corregedoria da Fiscalização Tributária (Corfisp).
Enquanto integrante do CIRA-SP – Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos - e diversos grupos especiais de apuração, a Sefaz-SP tem atuado em diversas frentes e operações no combate à sonegação fiscal, lavagem de dinheiro e ilícitos contra a ordem tributária, em conjunto com os órgãos que deflagraram operação na data de hoje.
Além disso, a Sefaz-SP informa que acaba de instaurar processo administrativo para apurar, com rigor, a conduta do servidor envolvido e que solicitou formalmente ao Ministério Público do Estado de São Paulo o compartilhamento de todas as informações pertinentes ao caso.
A administração fazendária reitera seu compromisso com os valores éticos e justiça fiscal, repudiando qualquer ato ou conduta ilícita, comprometendo-se com a apuração de desvios eventualmente praticados, nos estritos termos da lei, promovendo uma ampla revisão de processos, protocolos e normatização relacionadas ao tema."
8. Quem é Kimio Mizukami da Silva, e qual seu papel no esquema investigado?
Kimio Mizukami da Silva é mãe do auditor fiscal Artur Gomes da Silva Neto. Ele é apontado como o "cérebro" do esquema de corrupção que beneficiou grandes empresas como Ultrafarma e Fast Shop. Ela é professora aposentada da rede pública e sócia da empresa Smart Tax, que seria usada para lavar o dinheiro do esquema.
Segundo o Ministério Público, Kimio teve uma evolução patrimonial "absolutamente incompatível" nos últimos dois anos: em 2021, seu patrimônio declarado era de R$ 411 mil; em 2022, subiu para R$ 46 milhões; e, em 2023, chegou a impressionantes R$ 2 bilhões.
Esse aumento foi justificado por ela na declaração de Imposto de Renda como resultado da compra de criptomoedas, que teriam sido adquiridas a partir dos lucros da Smart Tax — uma empresa fantasma que não tinha funcionários nem atividade operacional real.
A sede da Smart Tax fica na casa do auditor, em Ribeirão Pires, e, apesar de ser oficialmente proprietária, Kimio não participava das reuniões nem tinha conhecimento técnico para prestar assessoria tributária. O Ministério Público aponta que o auditor usava a empresa para receber pagamentos de propina, disfarçando os valores ilícitos, caracterizando um esquema de lavagem de dinheiro.
Até o momento, a defesa de Kimio não foi localizada para comentar as acusações.
9. O que ainda falta saber?
Ainda não se sabe se existem outros auditores fiscais envolvidos no esquema de corrupção e quais outras empresas do setor varejista podem ter se beneficiado do esquema.
Também não foi explicado qual o papel exato de funcionários das empresas no esquema e se eles tinham poder decisório ou apenas cumpriam ordens.
