Pesquisadores criam carne vegana com farinha de girassol: rica em proteína, ferro e sustentável

14/08/2025

Alimento foi desenvolvido por cientistas do Ital e da Alemanha; produto não é alergênico, tem textura crocante e pode ajudar no combate à fome e na redução de gases de efeito estufa.

Uma carne vegana feita a partir de farinha de girassol, rica em proteínas, minerais e com potencial para combater a fome e reduzir impactos ambientais, foi desenvolvida por pesquisadores brasileiros e da Alemanha. O produto é moldado em formato de mini-hambúrguer e assado, não contém alergênicos e apresenta textura crocante e sabor suave.

A inovação utiliza um subproduto da extração de óleo de girassol — que geralmente seria descartado — e é enriquecida com óleos vegetais e especiarias. E o girassol é a quinta principal oleaginosa produtora de óleo do mundo.

A fórmula tem alto teor de ferro, zinco, magnésio e aminoácidos essenciais, e foi pensada como uma alternativa sustentável à carne animal, diante do alerta da ONU sobre a escassez futura de proteína de origem animal.

Os pesquisados são do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), em Campinas, e do Instituto Fraunhofer IVV, na Alemanha, com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

O estudo que descreve este desenvolvimento foi publicado em maio deste ano na revista Science e explorou o potencial deste subproduto da extração do óleo de girassol para criar misturas alternativas à carne (MAMs) com perfil nutricional equilibrado e atributos sensoriais desejáveis.

Uma das autoras, Maria Teresa Bertoldo, conversou com o g1 e destacou que os pesquisadores têm se esforçado para buscar proteínas alternativas que possam suprir o mercado no futuro. Ela reforça o alerta já feito pela Organização das Nações Unidas (ONU), de que não haverá proteína de carne para todos.

Diferentemente da soja, o farelo de girassol não é alergênico nem geneticamente modificado. Além disso, contém uma quantidade desejada de aminoácidos essenciais, inclusive com aminoácidos de cadeia ramificada – que ajudam na construção e recuperação muscular, no fornecimento de energia.

Segundo a autora, numa mistura com mais uma outra fonte proteica, é possível atender às necessidades biológicas da população. No entanto, os pesquisadores continuarão os testes para desenvolver novas texturas.

Duas formulações foram desenvolvidas a partir do enriquecimento com tomate em pó, especiarias e uma matriz lipídica composta por óleos de girassol, oliva e linhaça:

  • Uma utilizando proteína texturizada de girassol (com mais crocância e que será usada na sequência das pesquisas);
  • E outra incorporando grãos de girassol torrados.

A avaliação sensorial e a análise nutricional

A avaliação sensorial dos pesquisadores revelou uma preferência pela proteína texturizada de girassol, que apresentou textura superior, com mais crocância.

Apesar da necessidade de refinamento para otimizar o sabor, o estudo destaca o potencial do farelo de girassol para contribuir com um sistema alimentar mais sustentável e fornecer aos consumidores uma alternativa proteica vegetal nutritiva e atrativa.

A análise sensorial avaliou atributos como sabor, textura, aroma e aparência. Participaram 82 consumidores (55 mulheres e 27 homens), que analisaram as formulações quanto à aceitabilidade global, aparência, aroma, sabor e textura.

Para o consumo humano, foi necessário remover das sementes as cascas e compostos fenólicos antes do início do processamento. Esses compostos conferem coloração escura à farinha e reduzem sua digestibilidade.

A análise nutricional da farinha de girassol destacou seu alto teor de lipídios, especialmente ácidos graxos monoinsaturados, e de proteínas — todos aminoácidos essenciais.

Além disso, a proteína texturizada apresentou alto teor mineral, com destaque para ferro (49%), zinco (68%), magnésio (95%) e manganês (89%) em relação à ingestão diária recomendada.

Além dos benefícios nutricionais, o farelo de girassol já é reconhecido por aspectos econômicos e de segurança alimentar, como a ausência de alérgenos comuns — o que o torna uma alternativa atrativa em dietas vegetais.

Alternativa mais sustentável

Segundo Bertoldo, a produção de carne vegana à base de farinha de girassol pode ter um impacto bastante positivo na sustentabilidade. Comparada à pecuária tradicional, a produção vegetal exige menos terra e água, além de emitir menos gases de efeito estufa.

"A farinha de girassol é um subproduto da extração de óleo, o que significa que utiliza um recurso que de outra forma poderia ser descartado, promovendo a economia circular. Além disso, o girassol é uma cultura versátil, que pode ser cultivada em diversas regiões — o que pode contribuir para a diversificação da agricultura e reduzir a pressão sobre culturas específicas", explica.

A ONU já afirmou que a pecuária é responsável por mais de 14% dos gases de efeito estufa gerados pelo homem, incluindo o metano.

Essa revolução na indústria alimentícia contribui para estabelecer novos padrões de sustentabilidade e nutrição. A utilização do farelo de girassol, rico em aminoácidos, pode beneficiar tanto a nutrição animal quanto a humana.

Girassol: a quinta principal oleaginosa do mundo

Atualmente, o girassol é a quinta principal oleaginosa produtora de óleo do mundo. A produção é expressiva em países como Ucrânia, Rússia, União Europeia e Argentina.

No Brasil, embora em crescimento, a produção ainda é menos representativa do que a de outras oleaginosas, como a soja. A maior parte é destinada à extração de óleo e, em menor escala, ao consumo direto das sementes.

O grão da planta contém cerca de 20% de proteína — com todos os aminoácidos essenciais — e 40% de lipídios, dos quais 31% são ácidos graxos poli-insaturados (um tipo de gordura saudável encontrada principalmente em alimentos de origem vegetal e em peixes).

A partir de 100 kg de sementes de girassol, obtêm-se:

  • 20 kg de cascas;
  • 80 kg de grãos, que resultam em 40 kg de óleo após a extração;
  • E 40 kg de farelo, que pode ser transformado em diversos produtos, de acordo com o teor de proteína desejado.

O crescimento do mercado de alimentos à base de plantas

Estudos destacam os benefícios de dietas ricas em vegetais, frutas e grãos. O mercado global de proteínas vegetais cresce rapidamente e deve atingir US$ 17,4 bilhões até 2027.

Com a expectativa de que a população mundial chegue a 9 bilhões até 2050, torna-se urgente encontrar alternativas proteicas sustentáveis. Estima-se que o mercado de alimentos à base de plantas chegue a US$ 85 bilhões até 2030.

Esse movimento atrai um público diversificado, como vegetarianos e flexitarianos (pessoas que têm uma alimentação predominantemente vegetariana, mas que consomem carne ocasionalmente), e fortalece o setor de produtos de origem vegetal.

👍 🌻 Alternativas à carne derivadas de plantas e leguminosas são bem recebidas pelo público, por seu apelo à saúde e à sustentabilidade.

👎 🌻 Já opções como carne cultivada em laboratório ou à base de insetos ainda enfrentam resistência, por questões culturais e de segurança.

O potencial de combater a fome no mundo

Bertoldo acredita que alternativas como a proteína da farinha de girassol podem ajudar a combater a fome no mundo.

"A produção de alimentos vegetais é geralmente mais eficiente no uso de recursos do que a produção de carne animal. Isso significa que é possível produzir mais calorias e nutrientes por hectare de terra, em comparação à proteína animal", afirma.

Segundo ela, ao diversificar fontes de proteína e tornar a alimentação mais acessível e sustentável, essas alternativas podem contribuir para a segurança alimentar global — especialmente em regiões onde o acesso à proteína animal é limitado ou insustentável.

Questionada sobre a possibilidade de levar a carne vegana para escolas ou comunidades carentes, a autora afirma que a ideia ainda não foi cogitada, mas que o produto tem sido bastante divulgado ao público, o que pode atrair o interesse da sociedade.

O Ital acredita que é possível tornar a carne vegana de farinha de girassol uma opção comum e desejável na mesa dos brasileiros. Para isso, seriam necessárias ações de popularização — como investimento na qualidade do produto, comunicação eficaz, acessibilidade e parcerias com empresas do setor alimentício.

"Futuramente pretendemos aplicar outros processos à farinha de girassol. Esses processos vão aprimorar principalmente a textura, que foi um dos atributos destacados na análise sensorial", finaliza Bertoldo.