Registros de maus-tratos contra animais estão em alta no Paraná. E esse pode ser um indicador positivo.

Segundo delegado, grande parte da sociedade já vê os pets como membros da família e essa nova concepção tem ajudado a conscientizar as pessoas sobre a causa animal
A cada 48 minutos, uma denúncia de maus-tratos contra animais é registrada no Paraná. Assim foi no ano de 2024, quando 11.042 relatos envolvendo esse tipo de ocorrência foram feitos no estado via Disque Denúncia 181. Nesse mesmo período, 2.295 crimes foram registrados com base no artigo 32 da Lei 9.605/98, que pune quem abusa, maltrata, fere ou mutila animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos. E esse tipo de situação está com os registros em alta no estado, com expectativa de seguir crescendo a cada ano, seguindo novos paradigmas sociais.
De acordo com informações levantadas pela Secretaria de Segurança Pública do Paraná (Sesp) a pedido da reportagem do Bem Paraná, o número de denúncias de maus-tratos contra animais teve alta de 16,8% no ano passado. Em 2023, haviam sido feitas 9.458 denúncias via Disque 181. No ano passado, já foram recebidos 11.042 relatos. Ao mesmo tempo, as ocorrências de crimes tipificados pelo art. 32 da Lei 9.605/98 também estão em alta: em 2024 foram registradas 2.295 ocorrências, 9% a mais que os 2.105 registros do ano anterior.
O que explica a alta nos casos de maus-tratos?
Mas afinal, o que explica essa crescente de denúncias e ocorrências? Segundo Guilherme Dias, Delegado-Chefe da Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente (DPMA) da Polícia Civil do Paraná (PCPR), um fator determinante é o novo olhar que uma parcela expressiva da sociedade tem tido com relação aos animais, deixando de os ver como objetos para os encarar como verdadeiros membros de uma família.
"Existe uma concepção mais moderna de que os animais não são mais uma propriedade, mas sim membros da família e que não mais devem ter um tratamento inferior ou subordinado aos interesses dos seus tutores. Por isso não falamos mais em donos dos animais, mas em tutores, porque o animal não é um objeto, mas um ser vivo que tem direitos: o direito de ser feliz, de ser bem tratado. Então, eu reputo esse aumento, sobretudo, à mudança de concepção da sociedade, que agora encara o animal como um ser, um membro da família, e não mais um objeto. Então, as pessoas têm uma nova concepção a esse respeito e também a expectativa de que a Polícia Civil atue nesses casos", aponta o delegado.
Não à toa, a expectativa do policial é que o número de denuncias apresentadas e ocorrências registradas siga crescendo a cada ano. E isso ocorre porque, enquanto uma parte da população mudou sua concepção em relação aos animais, outra segue "muito atrasada", tratando os animais como objetos e não cuidando deles da maneira devida.
"Essa parcela mais atrasada da sociedade ainda pratica muitas crueldades contra animais. então, o número de denúncias só aumenta. O nosso exército de pessoas apaixonadas pelos animais só aumenta e essas pessoas, além de serem muitas, elas militam em favor dos animais. Então, a cada caso de crueldade, elas procuram a polícia, noticiam. E aqui é a única delegacia onde as pessoas, depois que fazem a denúncia, vão atrás para saber o desenrolar da investigação. Existe muita cobrança por parte da população e as pessoas não se omitem em face de crueldades. Então, não tenho dúvida que o número de casos só vai aumentar ao longo dos anos", emenda ainda Dias.
Mais de mil animais resgatados a cada ano
Ainda de acordo com Guilherme Dias, a Polícia Civil do Paraná é hoje referência no resgate de animais. Por ano, são mais de mil animais resgatados, além de centenas de pessoas terem sido presas nos últimos tempos. Para se ter uma dimensão do que isso representa, o segundo estado que mais resgata animais no Brasil não consegue resgatar nem um décimo do que o Paraná registra anualmente. E isso é possível graças à atuação não só da polícia, mas também de organizações não governamentais (ONGs) e de protetores que ajudam na causa.
"Nós resgatamos muito. Enquanto o Paraná está consolidado, resgatando milhares de animais por ano, outros estados não resgatam quase nenhum animal porque o grande problema é a destinação desse animal. Se eu resgatar 300 animais de uma só vez, como nós já resgatamos, para onde irão esses animais? Não existe um órgão público no Brasil com capacidade para abrigar 300 animais de uma vez só. É graças a essa expertise criada pela Polícia Civil e às parceria. O exército de pessoas [engajadas na causa animal] só aumenta, não só de ONGs estabelecidos, mas também de protetores ou admiradores da causa que nos ajudam. Então, sem a ajuda dessas pessoas, nem um único resgate seria possível", exalta o delegado.
Situações mais comuns de maus-tratos e como denunciar
Embora casos de tortura e até mesmo morte de animais sejam registrados, o tipo mais comum de maus-tratos no Paraná é a desídia, a indiferença. São situações em que um animal é deixado preso numa coleira durante semanas ou até mesmo meses, ficando abandonado e tendo desprezada suas necessidades básicas. "Nós encontramos animais sem alimentação, sem tratamento médico, presos em coleiras curtas, ardendo no sol e na chuva, sem alimentos, com água podre, fétida. Essa é a nossa realidade. Mas nós também encontramos todo tipo de caso, desde zoofilia, ou seja, abuso sexual dos animais, até torturas, amputação de membros, todo tipo de crueldade humana", comenta Guilherme Dias.
Ainda segundo o delegado, a população deve entender que os animais são seres sencientes, o que significa também que eles não têm só necessidades fisiológicas. Ou seja, além de comer, dormir e defecar, os bichinhos também precisam ser felizes, podendo se movimentar, se divertir, interagir com outras pessoas e animais e ter tratamento médico veterinário. Por isso, caso você encontre animais presos o tempo todo em coleiras curtas, no sol e na chuva, sem se movimentar, sem ter uma comida adequada, com doenças sem tratamento, tudo isso configura maus-tratos e qualquer pessoa pode procurar a Polícia Civil.
E na hora de denunciar, é sempre importante apresentar algumas informações básicas, como a localidade (local exato ou o mais aproximado possível) onde estaria ocorrendo a irregularidade e vídeos e fotos que demonstrem a situação do animal. "A pessoa pode denunciar pelo site da Polícia Civil, no campo dedicado a boletins de ocorrência, lá existe uma aba específica para o crime de maus-tratos a animais. Se essa pessoa não deseja se identificar, ela pode procurar o canal de denúncias 181, que é um canal de denúncias anônimas e a sua identidade será preservada. E se os meios digitais forem um desafio, ela pode procurar a delegacia mais próxima da sua residência e registrar o boletim de ocorrência", instrui o delegado-chefe da DPMA.
Casos marcantes: serial killer de cães e o maior resgate da história do Paraná
O delegado Guilherme Dias está há três anos na DPMA. Nesse período, atuou em casos marcantes. E um deles foi registrado recentemente em Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba (RMC), onde um homem de 67 anos é investigado e suspeito de provocar a morte de vários cachorros num condomínio de luxo. "Nós pegamos um serial killer de cães que atuava há mais de cinco anos. Ele jogava sacos com venenos, é uma pessoa que não gosta de animais. E ele atuava sempre de madrugada, num período que não tinha testemunhas e em locais onde não haviam câmeras de vigilância. Ele fazia todo um planejamento para matar esses animais e foi um caso que me marcou muito", diz o delegado.
Outro episódio do qual o delegado não se esquece foi o registrado em janeiro de 2023, quando 300 animais foram resgatados de uma acumuladora no bairro São Lourenço, em Curitiba. "Era um caso que se arrastava há mais de uma década. Resgatamos 300 animais, muitos deles viviam em gaiolas. Encontramos muitos animais enterrados numa cova rasa, contaminando o solo, e caminhões de fezes foram retirados do local", recorda Dias, cotando ainda que dos 300 animais resgatados, apenas 40 permanecem em abrigo. Ou seja, todos os outros foram doados, sendo uma dessas doações ainda mais especial, simbólica.
"Era um animal que já estava com câncer avançado e nós queríamos dar uma nova família para ele, que passou sabe-se lá quanto tempo naquelas grades, vivendo em meio a fezes e urina. Só que era um animal que teria que ter uma família que pudesse arcar com tratamento com câncer, quimioterapia, e teria que dar muita atenção a ele. E no mesmo dia ele foi doado, e para um pai e uma filha que também tinham câncer. Eles disseram 'nós sabemos o que você sente. Nós sabemos o que é ser rejeitado pela sociedade. Então, não sabemos quem partirá primeiro ou por último, mas nós iremos até o final juntos'. É uma história muito linda, e esse animal viveu mais um ano e meio dormindo na caminha, no sofá do seu tutor, que levava ele todos os dias pra hemodiálise e pro tratamento do câncer. Então ele viveu muito bem até o último dia da sua vida."
