Tarifaço de Trump ameaça futuro da Taurus: 'Significa inviabilidade total'

26/07/2025
As vendas da Taurus no Brasil mais do que triplicaram durante o governo Bolsonaro, mas período também foi marcado pela abertura do mercado interno a importações
As vendas da Taurus no Brasil mais do que triplicaram durante o governo Bolsonaro, mas período também foi marcado pela abertura do mercado interno a importações

CEO da Taurus diz que empresa estuda transferir produção para os EUA, caso tarifa seja mantida, o que resultaria na perda de até 15 mil empregos no Rio Grande do Sul.

Setor beneficiado durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) e que vê no ex-presidente um aliado, a indústria de armas e munições está entre as que mais podem ser afetadas pelas tarifas de 50% impostas pelo presidente americano Donald Trump contra o Brasil.

Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), os Estados Unidos foram o destino de 61% das exportações brasileiras de armas e munições em 2024, com 53% dessas vendas partindo do Rio Grande do Sul e 47% de São Paulo.

As tarifas de 50% foram anunciadas por Trump em 9 de julho e devem passar a valer a partir de 1º de agosto. O presidente americano citou como motivo para a taxação o tratamento dado a Bolsonaro pela Justiça brasileira no processo em que o ex-presidente é acusado de tramar um golpe de Estado.

Antes de ser proibido de usar redes sociais pelas medidas cautelares impostas por Alexandre de Moraes, Bolsonaro disse não se alegrar com as tarifas, mas condicionou o fim delas a sua anistia.

"Em havendo harmonia e independência entre os Poderes nasce o perdão entre os irmãos e, com a anistia também a paz para a economia", escreveu Bolsonaro, em postagem no X (antigo Twitter) em 13 de julho.

Maior fabricante de armas de fogo do Brasil e uma das maiores fornecedoras de pistolas para o mercado americano, a Taurus Armas afirma que, caso a tarifa seja mantida, poderá transferir toda a sua operação do Brasil para os EUA.

Segundo o presidente-executivo da empresa, Salesio Nuhs, isso resultaria na perda de até 15 mil empregos no Rio Grande do Sul, sendo 3 mil deles diretos, gerados pela fábrica da companhia no município de São Leopoldo (RS).

"Se realmente perdurar essa questão da taxação de 50%, várias empresas e vários segmentos no Brasil ficarão inviabilizados. Ela não significa simplesmente diminuir margem. Significa inviabilidade total. Não existe margem que possa cobrir uma taxação de 50%", afirmou Nuhs, em entrevista ao programa Tá na Hora, do site jornalístico local Berlinda.

O executivo, no entanto, culpa a inabilidade do governo federal em negociar as tarifas com Trump pela possível perda de empregos no país.

"A nossa maior preocupação é a falta de habilidade do governo brasileiro em negociar essa situação com os Estados Unidos", disse Nohls. "Essa falta de habilidade está trazendo uma insegurança jurídica muito grande para os empresários do Brasil e uma insegurança para o trabalhador, que pode perder seu emprego simplesmente porque o governo não conseguiu negociar", completou.

A BBC News Brasil pediu entrevista a Salesio Nuhs ou um comentário oficial da Taurus sobre o impacto das tarifas de Trump para a empresa, mas os pedidos não foram atendidos até a publicação desta reportagem.

O mercado brasileiro de armas e os EUA

No ano passado, o Brasil exportou US$ 528 milhões (R$ 2,9 bilhões) em armas, munições, suas partes e acessórios para 85 países.

Desse total, US$ 324 milhões resultaram das exportações para os Estados Unidos, que representam 61,3% das vendas externas do setor, seguidos de longe pelos Emirados Árabes Unidos (5,3%), Holanda (4,7%), Reino Unido (2,4%) e Burkina Faso (2,4%).

A elevada participação dos EUA nas exportações brasileiras de armas e munições faz dos setor o terceiro mais dependente do mercado americano para suas vendas externas, atrás apenas do segmento de materiais de construção como pedra, gesso, cimento e amianto (65,4%) e do setor de aeronaves e aparelhos espaciais (61,7%), onde atua a Embraer.

A Taurus é a principal exportadora brasileira de armas. Em 2024, de cada 100 armas vendidas pela fabricante gaúcha, 87 foram comercializadas no mercado americano.

Com isso, as vendas para os EUA representaram 83% da receita líquida da companhia em 2024.

"A Taurus estabeleceu plantas industriais nos EUA ainda no início dos anos 1980, fortalecendo sua presença direta naquele mercado", lembra o pesquisador Mateus Tobias Vieira, que estudou o mercado brasileiro de armas de fogo em seu doutorado na Unesp.

"Enquanto isso, o mercado brasileiro oscilava entre ciclos de abertura e retração, como é o caso do Estatuto do Desarmamento, de 2003, e do referendo [sobre a proibição da comercialização de armas de fogo] de 2005, o que contrastava com a estabilidade institucional, a previsibilidade normativa e a escala de consumo do mercado norte-americano, que se afirmava, assim, como eixo privilegiado de expansão e rentabilidade para a indústria bélica nacional", afirma o sociólogo, sobre os motivos que levaram a Taurus a se voltar para os EUA como seu principal mercado.

Atualmente, a Taurus possui fábricas no Brasil (em São Leopoldo), nos EUA (em Bainbridge, no estado da Geórgia) e uma joint-venture na Índia, que começou a produzir no ano passado. A empresa estuda ainda instalar uma operação industrial na Arábia Saudita.

Já a Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC), controladora da Taurus desde 2015, tem uma fábrica de munições em Ribeirão Pires (SP) e outra, de armas longas e cartuchos, em Montenegro (RS).

Mas, apesar de os EUA representarem quase 90% do volume de vendas de armas da Taurus, a companhia produz apenas 24% dessas armas na fábrica em Bainbridge.

E mesmo essa produção em solo americano depende de peças importadas do Brasil e, portanto, poderá também ser afetada pelas tarifas de 50% de Trump, alerta Fabiano Vaz, sócio-analista da Nord Investimentos, que acompanha de perto as ações da Taurus.

"Claro que precisamos ver se isso realmente vai se tornar efetivo, mas essas tarifas vindo realmente a ser impostas a partir de agosto, é uma notícia péssima para a Taurus", diz Vaz.

"Ela tem cerca de 20 a 30% da produção lá nos EUA, mas a Taurus lá é uma montadora. Ela fabrica as partes aqui no Brasil e leva para os EUA, onde faz a montagem final e põe a estampa das marcas dela no mercado americano para vender. Levando esses produtos, mesmo não acabados para os EUA, eles acabariam sofrendo com as tarifas", observa o analista.

Marco Saravalle, analista-chefe da MSX Invest, considera muito difícil para a Taurus redirecionar as vendas hoje voltadas ao mercado americano para outros países.

"Esse é o maior mercado mundial, um mercado de altíssima qualidade, que a companhia demorou muito para conquistar", diz Saravalle, lembrando que a Taurus é hoje a empresa não americana que mais vende nos EUA no segmento de armas curtas, competindo diretamente com fabricantes americanas tradicionais, como Ruger e Smith & Wesson (S&W).

"Então não tem substituição [ao mercado americano]", afirma o analista. "O que pode acontecer, e isso já foi dito pelo presidente global da companhia, é simplesmente a empresa mudar toda sua produção para lá, perdendo centenas ou até milhares de empregos no Brasil."

Segundo o Berlinda, site jornalístico de São Leopoldo, município onde está localizada a fábrica da Taurus que poderia ser fechada com essa mudança, a possível saída da empresa traria efeitos catastróficos para a economia local.

"Estima-se que R$ 520 milhões em exportações da cidade estejam diretamente ligados ao mercado americano, o que representa 4,7% do PIB municipal. Uma redução ou paralisação dessas atividades pode gerar uma recessão regional com demissões em massa", afirma o site.

A BBC News Brasil pediu entrevista à secretária municipal de Desenvolvimento Econômico de São Leopoldo, Regina Caetano, para comentar os possíveis efeitos de um eventual fechamento da fábrica da Taurus para a economia do município, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria.

Analistas veem plano da Taurus de deixar o Brasil com ceticismo

O presidente global da Taurus, Salesio Nuhs, disse que o plano em estudo pela empresa, de possivelmente transferir sua produção para os EUA, não é uma ameaça, mas sim uma medida de sobrevivência diante da inviabilidade econômica causada pela taxação.

No entanto, analistas veem essa possibilidade com descrença. Isso porque o principal chamariz da Taurus no mercado americano são seus preços baixos, vantagem que poderia se perder com a transferência da produção para solo americano.

"A Taurus tem um preço super competitivo em relação aos competidores no mesmo segmento, muito por conta de ter essa parte de manufatura aqui no Brasil e levar para os EUA", diz Fabiano Vaz, da Nord Investimentos.

Segundo Vaz, ao transferir a produção para os EUA, a Taurus teria que arcar com custos de mão de obra mais altos, o que comprimiria as margens da empresa.

Em seu balanço de 2024, por exemplo, a fabricante destacou que sua margem bruta (uma medida de lucratividade) foi de 36% no quarto trimestre de 2024, comparado a margem de 24% da S&W e de 23% da Ruger, suas principais competidoras no mercado americano.

Além disso, a Taurus perderia a vantagem de toda a sua estrutura no Rio Grande do Sul, onde mantém sua área de pesquisa e inovação, e tem uma estrutura produtiva bastante verticalizada, com a integração das áreas de metalurgia e siderurgia.

"Esses são pontos que, nos EUA, eles ainda não têm, ou vão precisar ter, caso isso [a transferência da produção] ocorra realmente", diz Vaz.

O pesquisador Mateus Tobias Vieira, da Unesp, também vê o plano da Taurus como improvável.

"Após quase um século de incentivos estatais, a indústria consolidou um parque produtivo robusto, com elevada capacidade técnica e produção em escala, além de um know-how acumulado e difícil de ser replicado no curto prazo", diz Vieira.

"Some-se a isso o fato de que o mercado consumidor doméstico, ampliado nos últimos anos, segue ativo e em busca de legitimidade, compondo um espaço de circulação que, embora mais restrito do ponto de vista legal, continua a mobilizar significativos volumes de demanda, de modo que, ao menos na minha opinião, a saída da Taurus [do Brasil] é pouco realista."

Vendas em queda mesmo antes do tarifaço

Mesmo antes do anúncio das tarifas de Trump, as vendas de armas pela Taurus já vinham encolhendo nos últimos anos.

A companhia viu suas vendas dobrarem entre 2018 e 2021, de 1,2 milhão de unidades para 2,3 milhões, impulsionadas por um forte aumento da demanda nos EUA durante a pandemia e, em menor escala, pela flexibilização das regras para compra de armas no Brasil durante o governo Bolsonaro.

No mercado brasileiro, as vendas da Taurus passaram de 102 mil para 372 mil unidades, um crescimento de 265% entre 2018 e 2021.

"Entre 2019 e 2022, as vendas de armas e munições no mercado interno bateram recordes", lembra Vieira.

"Ocorre que, essa inflexão foi acompanhada da quebra da relativa reserva de mercado que protegia a indústria nacional desde a Era Vargas. O governo Bolsonaro facilitou a entrada de armas estrangeiras, tentou zerar as alíquotas de importação de armas (medida suspensa pelo STF) e rompeu com uma longa tradição de protecionismo à indústria armamentista brasileira", observa o pesquisador.

Desde 2021, as vendas da Taurus voltaram a encolher e, em 2024, haviam retornado ao patamar de 1,2 milhão de unidades no ano, com a normalização da demanda no mercado americano após o pico pandêmico e a introdução de novas regulamentações no mercado brasileiro após a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para seu terceiro mandato.

Para Vieira, a situação atual impõe desafios significativos para os fabricantes brasileiros de armas de fogo, como a Taurus.

Se, por um lado, o governo Bolsonaro rompeu com a política histórica de proteção à indústria nacional, desarticulando o regime de reservas de mercado e permitindo o ingresso facilitado de armamentos estrangeiros, por outro, diz o pesquisador na Unesp, não foi capaz de organizar um arcabouço jurídico estável e coerente com a abertura que propôs.

"Assim, as empresas se veem diante de uma dupla restrição: por um lado, enfrentam o recrudescimento do controle interno promovido pela terceira gestão Lula, historicamente associada a políticas restritivas no tema das armas; por outro, vislumbram crescente dificuldade nas exportações, dadas as taxações propostas pelo governo Trump e, em alguma medida, estimuladas pela própria família Bolsonaro", avalia o pesquisador.

"Em alguma medida, se olharmos o quadro como um todo, o governo Bolsonaro, que aparece como um grande aliado do mercado de armas de fogo, é o maior responsável pelas dificuldades enfrentadas agora por essa indústria tanto no âmbito interno, quanto externo", opina Vieira.