Você dorme bem? Por que o sono pode ser aliado (ou vilão) do coração

No Dia Mundial do Coração, médicos explicam como noites mal dormidas alteram pressão, hormônios e aumentam risco de hipertensão, infarto e arritmia.
Dormir pouco, roncar alto ou ter noites interrompidas não é só sinal de cansaço. Distúrbios do sono podem sobrecarregar o coração e elevar o risco de hipertensão, arritmia e infarto, alertam médicos.
No Dia Mundial do Coração, celebrado nesta segunda-feira (29), especialistas reforçam que o descanso adequado é um dos principais aliados da saúde cardiovascular.
Sono e coração, o que tem a ver?
Quando adormecemos, a pressão arterial tende a cair. Isso alivia a carga sobre o coração, que não precisa bombear sangue contra uma "barreira de pressão" tão intensa.
"É como empurrar uma porta: se alguém está segurando, exige muito mais esforço. Se está livre, fica mais fácil. Dormir bem faz exatamente isso pelo coração", explica o cirurgião cardiovascular Ricardo Kazunori Katayose, do Hospital Beneficência Portuguesa.
Esse rebaixamento noturno da pressão — chamado de descenso fisiológico — é fundamental. Ele dá ao coração uma espécie de "folga" diária. Sem isso, o órgão trabalha em ritmo forçado o tempo todo.
A cardiologista Fátima Cintra, da Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas (SOBRAC), acrescenta que o sono não atua de forma linear:
"Nas fases mais profundas, o coração descansa, a frequência cardíaca cai e a pressão arterial reduz em até 10%. Já no sono REM, a atividade cerebral é intensa e o sistema cardiovascular fica instável, com picos de pressão e batimentos acelerados. Essa alternância é natural, mas quando o sono é interrompido ou insuficiente, o coração perde a chance de recuperação."
O que acontece quando o sono falha
Quando o sono é interrompido ou de má qualidade, esse benefício se perde. O corpo entra em estado de alerta, liberando adrenalina e cortisol, hormônios ligados ao estresse. Essa reação:
- Mantém a pressão alta durante a noite.
- Faz o coração bater mais rápido (taquicardia).
- Aumenta a resistência à insulina, favorecendo diabetes.
- Estimula inflamações crônicas nos vasos sanguíneos.
"O sono ruim está diretamente relacionado a hipertensão, obesidade, infarto e até AVC", reforça o cardiologista Claudio Catharina, gestor da Unidade Coronariana do Hospital Icaraí e fellow da European Society of Cardiology.
A espiral da apneia do sono
O caso mais grave é a apneia obstrutiva do sono, quando a respiração é interrompida repetidamente durante a noite. A língua e a musculatura da garganta relaxam, estreitando a passagem do ar. O ronco vai aumentando até que a respiração trava.
A cada episódio:
- O oxigênio no sangue despenca.
- O coração acelera para tentar compensar.
- O cérebro desperta a pessoa, quebrando o sono profundo
Esse ciclo pode se repetir dezenas de vezes em uma única noite. "O organismo passa horas em estresse, e isso favorece arritmias, hipertensão e insuficiência cardíaca", detalha Katayose.
Estima-se que 1 bilhão de pessoas no mundo tenham apneia, e metade dos pacientes com doença cardiovascular sofre com o problema.
O elo entre sono e obesidade
Dormir mal também mexe nos hormônios da fome. A produção de leptina (que dá saciedade) cai, enquanto a de grelina (que aumenta o apetite) sobe. Resultado: mais fome, menos gasto energético e maior risco de engordar. O excesso de peso, por sua vez, aumenta a chance de apneia e sobrecarrega ainda mais o coração.
"É uma espiral. A pessoa ganha peso, ronca mais, respira pior, dorme mal e o coração sofre cada vez mais", resume Katayose.
Como melhorar a qualidade do sono
Segundo Catharina, algumas medidas simples ajudam:
- Criar uma rotina regular para dormir e acordar.
- Reduzir café, álcool e tabaco à noite.
- Evitar telas pelo menos 1 hora antes de deitar.
- Ter ambiente escuro e silencioso.
- Encerrar atividades de trabalho pelo menos 2 horas antes de se deitar.
Fátima Cintra reforça a importância da regularidade: "Não basta dormir a mesma quantidade de horas. É preciso manter horários estáveis para deitar e acordar. Alterar esses ritmos bagunça a secreção hormonal, a pressão arterial e a própria saúde do coração".
O ideal é que adultos durmam entre 6 e 8 horas por noite, de forma contínua. Crianças e adolescentes precisam de mais.
O sono já é considerado pela American Heart Association como um dos pilares da saúde cardiovascular, ao lado de alimentação e atividade física. No Brasil, a Academia Brasileira do Sono também reforça a importância do tema.
"O sono é um pilar da medicina preventiva. Sem ele, o corpo não descansa e o coração trabalha sob estresse todos os dias", conclui Katayose.
